Depois de Dias sem muita inspiração, recebi do nosso consultor do site, o Lupércio esse conto de Natal.
Vale a pena ler!
Minha mãe e eu, no painel temos 3 pessoas queridas,
Dra Dalva, Marília - Terapeuta Ocupacional e Debora a Psicóloga
da Equipe nota 10 que cuidam da minha mãe.
Depois daquele Natal nunca mais fui o mesmo. Ele foi tão marcante que até hoje, sempre que o pisca-pisca das decorações de Natal começa a diminuir o peso com que as noites sufocam e oprimem a cidade, toma conta de mim uma confusão interior, um misto de angústia, talvez frustração ou será mesmo uma certa vergonha ? Medo? Culpa? Não, acho que é uma impotência intencional. “O que posso eu, um simples cidadão comum, fazer para melhorar o mundo ?
“ No fundo eu sei que posso fazer algo, mas as desculpas para não fazer e ignorar o que me rodeia são no mínimo mil vezes maiores que os motivos para dar apenas um pequeno passo, fazer só uma pequena ação, apenas que seja uma simples palavra. Além do que, só nesta época me assaltam todos estes sentimentos e lembranças.
Este conflito interior só por causa daquele Natal! Mas tenho que concordar que teria que ser um Natal no mínimo diferente dos outros. Era o segundo Natal como desempregado! Essa pele peçonhenta de derrotado que a sociedade logo veste num desempregado já grudava em mim fazia tanto tempo que eu achava que não ia sair nunca mais.
Já estava me acostumando a ser olhado meio de lado, uma mistura de desprezo com repulsa. Desgraça pega, chô sai pra lá, negativismo, derrota para bem longe. Numa dessas ele ainda vai pedir um favor, se der um pouco mais de atenção periga até pedir dinheiro emprestado. Era assim que eu me via nos olhos dos outros.
Dizem que a vida é um espelho, você é visto e tratado pelos outros do jeito que você se considera e vê. Eu não acreditava que pudesse ser capaz de me diminuir e punir tanto e de maneira tal cruel, para o mundo me devolver toda aquela indiferença, desprezo e sofrimento por que estava passando. Mas este é um conto de Natal, tem que falar de amor, fraternidade e paz na terra aos homens de boa vontade, que nesta época acredito que são todos, pelo menos é o que dizem.
Apesar de também estar desempregado, no ano anterior, não tinha sido tão difícil. A demissão fora só há dois meses atrás, ainda havia o dinheiro da indenização, a perplexidade e o desgosto de ter sido apanhado pela re-engenharia estavam um pouco diminuídos pelos incentivos dos amigos. “Relaxa. Curte umas férias.
Agora o País pára mesmo. Depois do Carnaval, quando começa o ano de verdade, achas alguma coisa melhor, eu tenho certeza”. “Será ? “ “Sim, claro!” “Acho que tens razão. Nunca fui demitido antes”. “Não fui só eu. Eles acabaram com todos os gerentes administrativos, agora um faz o trabalho de quatro”.”Estou falando, não foi por incompetência...”. “É, eles até me deram uma carta de recomendação”. “Viu só ..” E
o Natal passou, veio o fim de ano, a indenização se foi, veio o Carnaval, a Páscoa. O que será que está acontecendo ? Deve ser uma crise passageira. O fundo de garantia acabou. Várias entrevistas, outros tantos chás de cadeira depois o desespero começou a chegar.O condomínio em atraso. “É temporário, mês que vem coloco em dia”. Um empréstimo do pai. “Tenho certeza que é por pouco tempo, até sexta-feira vão me dar uma resposta, fiz uma entrevista semana passada, estou com a maior fé”.
Várias sextas depois me convenci que uma ligação, mesmo dizendo que ainda não foi desta vez teria sido melhor que passar estes dias sonhando e acelerando minha pulsação a cada toque do telefone. Será que as pessoas de Recrutamento já ficaram esperando uma resposta que nunca chegou? Acho que não. Auto-estima acabando, humilhações, o BNH atrasado, domingos e domingos esperando o jornal, a mensalidade da escola não foi paga. “Não temos mais nada para comer, o que é que eu faço ?”
A câmera de vídeo se foi, o videocassete também. O colégio está reclamando de novo. Desta vez foi a sogra que emprestou. O orgulho cada vez mais ferido. “Vamos ter que jantar na casa dos teus pais”. Agora foi a vez do telefone, mais entrevistas, mais esperas, esperanças desfeitas. O fundo do poço não chega nunca! A auto-estima não existe mais.
“Tenho que ser forte, minha família depende de mim”. Meu Deus, o que está acontecendo ? A dúvida aumenta, será que vou sair desta ? Acho que não. É só jogar o carro na frente daquele caminhão que vem vindo que tudo termina. Na velocidade que estamos não sobra nada. Vou me informar. Não vai dar certo, o seguro não paga suicídio. Chegou a vez do carro.
“Mas eu preciso de um emprego”. “Infelizmente o senhor é demais para o cargo”. Não adiantou, não dão oportunidade de começar de baixo. Com esta idade é mais difícil. O último recurso, a casa. O último bem. Quando um homem não consegue dar nem casa nem comida para a sua família a situação é péssima. “Eu juro que estou tentando, já fiz vários bicos, já tentei várias coisas”, nada. A sociedade não perdoa.
Fomos educados assim, não existe chance para os derrotados. Ninguém se importa. É um fracassado. O bem mais precioso se foi, não valho nada, sou um pária da sociedade, sou um peso para a minha família, morto valeria mais. Porquê tudo isto ? O que o mundo está querendo me ensinar, quanto mais preciso sofrer ? A quanto mais preciso me humilhar e submeter ? Eu sei, eu prometo que da próxima vez eu darei mais valor ao que tenho, mas por favor me dêem uma última oportunidade. Eu começo tudo outra vez, mas pelo menos me consigam um emprego.
Sem trabalho, sem renda um homem não vale nada. Agora eu entendo os desesperados os suicidas, os excluídos. O sofrimento é devastador, quando ele é grande, corroe tudo internamente que cria um vazio interior enorme. Mas não é um vazio sem nada é um vazio de dor, uma tristeza e uma desesperança totais. Era assim que eu me sentia naquele 23 de Dezembro.
Quando peguei o ônibus para o centro, uma solidão imensa tomava conta de mim. Só tinha na mente uma preocupação, como explicar para as minhas filhas que não tinha dinheiro para comprar presentes de Natal, que a vida não era essa felicidade das propagandas da TV. O mundo todo as fazia pensar que o Papai Noel existe e iria trazer presentes para elas. É assim que funciona a nossa sociedade de consumo, na base das compras, dos presentes, quanto mais você gosta, mais e melhores presentes você oferece. Se você não tem nada para dar, você não ama. Era isso que elas viam e ouviam em todos os lugares.
Vai ser um choque acabar a fantasia só porque não tenho presentes para dar. Eu tentava me lembrar de quando descobri que o Papai Noel não existe, talvez não tenha sido de maneira tão dolorosa pois não me lembrava. Como os outros se lembram ? Hoje queria acreditar que Papai Noel existe e que me traria algum emprego de presente. Eu precisava ter esta esperança, algo teria que provocar uma melhora na minha fé no mundo em principalmente em mim. Era difícil pois olhava pela janela do ônibus, via aquela multidão com pacotes e sacolas e pensava como é ingrata esta época, eu desejando esquecer os meus problemas, voltar atrás no tempo, e todo o mundo alegre e contente.
Mundo injusto. Nunca tinha sentido tanta revolta. Era este o meu estado de espírito quando aquele velho de cabelo e barbas brancas, veio se sentar do meu lado.
- Bom dia !
Respondi um oi meu entredentes meu grunhido. Era o que me faltava, ter que aguentar alguém do meu lado para conversar. Logo hoje ! Não se intimidando, complementou sorridente:
- Feliz Natal !
Era só o que faltava. Precisei me controlar. Existe ofensa maior que encontrar alguém feliz quando se está aborrecido ou deprimido? Para mim não existe. Depois de contar até 200, olhei para ele meio de lado e simulei uma resposta.
- Humm, humm.
Mas o velho bonachão era teimoso ou fez que não percebeu a minha indiferença.
Voltou à carga:
- Esta época do ano é maravilhosa.
Fiquei quieto. A educação não me obrigava a responder, foi um afirmação.
Quando pensava que o meu silêncio o tinham feito desistir, ele atacou de novo:
- O senhor não acha que as pessoas ficam diferentes no Natal ?
- Diferentes como ? Respondi. Saiu sem querer. Era isso que ele queria, uma resposta minha, iniciar uma conversa. Ele continuou já se animando.
- O espírito natalino torna as pessoas mais alegres, mais solidárias, mais amigas.
- Depende, eu não concordo com o senhor.
- Depende !? Depende do quê ? Agora ele pegou a minha isca.
- Depende de como a pessoa se sinta, o que estiver passando no momento. Para quem está desempregado por exemplo. Como será que esse monte de gente se sente?
- Concordo, para essas pessoas é um pouco mais difícil. Mas não deixa de ser uma oportunidade deles renovarem esperanças, aproveitarem o espírito geral e aumentarem a fé e a confiança.
- Até concordo com o senhor se o espírito do Natal fosse realmente esse que o senhor está pensando, mas hoje em dia não é assim. O Natal virou um comércio, o que se vê é compra, compra, compra, ninguém mais está preocupado com esse tal espírito do Natal!
- No geral sim, ninguém se preocupa mais com o verdadeiro significado do Natal. Mas ainda existe um pouco de amor e solidariedade apesar de tudo.
- Então, nesse espírito comercial como é que fica quem não tem dinheiro para dar presentes ? Como vão explicar isso para os filhos ?
- Eles vão ter que explicar a realidade. As crianças são bobas, percebem tudo que se passa. Elas não são muito exigentes. Pode reparar, quando encontram o Papai Noel ficam felizes com uma bala e um pirulito.
Tive que concordar ”É, o senhor tem razão”.
- Mais importante que dar presentes é dar amor, dar carinho, é retribuir a quem nos ama. É dizer que gostamos dos outros, é fazer um elogio. Às vezes uma simples palavra de amor, de conforto vale muito mais que o maior presente do mundo. Principalmente para quem está sofrendo.
Fiquei calado, não me ocorreu nada para dizer. Estava pensando no que ele me disse. Ultimamente estava demais absorvido em mim, nos meus problemas, me esquecera que havia alguém que poderia me apoiar, que gostava de mim. Parece que ele percebeu que tinha me tocado. Continuou:
- Temos que nos lembrar do que estamos comemorando no Natal. O nascimento Daquele que veio nos dizer que todos possuimos um grande tesouro.
- Como assim ? O que será que ele estava querendo dizer, pensei.
- Sim, temos o maior tesouro dentro do nosso coração, a capacidade de amar. O segredo está em sentir, criar esse sentimento de amor permanente. Acreditar com o coração. Esse espírito de amor no coração de todos é que deve ser o verdadeiro espírito do Natal.
Mais uma vez me calei. Ele foi se levantando. Me estendeu a mão e disse sorrindo:
- Bom, meu amigo, vou ter que descer. Um feliz Natal para você e sua família.
Me levantei, nos abraçamos, e respondi : “Muito obrigado, um Feliz Natal para o senhor também”. Já de costas enquanto ele se dirigia para a porta me pareceu escutar um “Hoo, Hoo, Hoo “ familiar. Mas todos dizem que foi impressão minha, que estava tomado pelo espírito da época. Papai Noel não me deu um emprego de presente, só algum tempo depois voltei a trabalhar de novo, mas me deu uma visão nova, um conceito diferente de presente, de Natal. É essa visão que agora, no Natal, vem me perturbar. Por isso, eu prometo. Neste Natal, vou tomar coragem, largar esta indiferença. Vou dizer e sentir algo de bom para a família, para os amigos. Perder o medo e fazer também para um desconhecido, para alguém que precise. Pode ser que faça a diferença.
FELIZ NATAL A TODOS FRATERNO ABRAÇO,
LUPERCIO , OHOHOH
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